Gosto de retomar, recorrer a certos temas. Caetano Veloso um dia disse – e concordei – que poesia a gente não lê, ou não deveria ler como quem lê bula ou relatório (essas palavras aí já são minhas mesmo, mas a ideia é semelhante) e sim com vagar, fruindo, sem pressa e sobretudo relendo e relendo.
Linguagem supressora que é (não me canso de reiterar isso), a poesia é
economia de meios, é desfiar de metáforas, é construção de viés que a prosa
quase nunca proporciona, ou seja, é ver a vida, o mundo, os sentimentos, sensações e
percepções por ângulos inesperados.
Mas o que dentro desse contexto me ocorre pra compartilhar é o “belo” na
poesia. Pra muitos, beleza e poesia são praticamente sinônimos. Talvez isso
seja uma meia verdade. Seguimos milenarmente a tradição dos ideais gregos de
beleza e isso não se restringe ao belo anatômico humano. Então nossa herança
estética é essa e isso nos leva às (muitas) vezes ao estranhamento do “não belo”
na poesia.
Um crítico de arte inglês, analisando a obra de Picasso, disse algo
expressivo: “Picasso desconcerta e nos faz colidir com a preguiça da nossa
rotina.”
Não posso me renegar como poeta que busca o belo, mas isso não faz de mim
um artista que conserva o leitor sempre no seu mesmo lugar. Penso que a arte
quando é tocante, mobiliza, impacta. E impactos tiram do lugar, são
perturbadores e assim, fazem pensar e
questionar.
Alguns poetas me vêm à mente: Maiakowski, Federico Garcia Lorca, Augusto
dos Anjos, Rimbaud. Na sua essência, a poesia deles mergulhou e descreveu
agruras, angústias, desespero, violência, injustiça, vazio, toda gama de
paixões humanas que deu uma dimensão não só universal, como também um
testamento do lado menos luminoso e sublime da nossa condição humana.
E eles atingiram o belo, não esse que vem pela leveza, luz, cores,
contemplação, prazer, mas pela intensidade, veemência. O aforismo “tem beleza
na tristeza” se aplica a isso. Mas não só na tristeza. Tem beleza no que não
aparenta na superfície. Tem beleza na simplicidade mas também em certas
complexidades.
A beleza do ideal grego nos encanta mas tem muita beleza subjacente na
escrita bem construída que mexe com a gente. O belo não é só o que nos
confirma. Ampliemos o conceito do belo.
Arrisco afirmar que se é tocante, mobilizador, é belo.
Mesmo que não tenha arco-íris, pôr-do-sol, sorriso, paz e sentimentos
nobres.
Nenhum comentário:
Postar um comentário