Importante

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sábado, 23 de fevereiro de 2019

Escrever descrever inscrever





Escrever, podem crer, é catarse, conformar-se, não há porque não. Escrever: eis crer e ver, pode ser com os pés no chão, bordando a ilusão, dizendo palavrão, um não que é sim, um sim que é não; ou não. Escrevo nas filas, no balcão, mentalmente, sobre um incidente real ou da imaginação, fazendo elo com o leitor, buscando um belo poema de amor. Escrever é confissão, invenção, é trazer à tona toda essa zona que nos confunde e nos infunde a compulsão do dizer, dizer por escrito, pra que o só audito não se perca, rompa a cerca da consciência, afirmar sua presença que se crava pela palavra, na sua força gráfica, de signo, o seu dom, benigno.



Vide bula 



Palavra é ritmo e dança
Brinquedo de desmontar
Palavra é de som e ar
Aguda ponta de lança

Contida, exaltada. chula
Chicote ou doce canção
Carícia ou demolição
Na dúvida vide bula

É mapa, é lei, estrutura
É luz numa mina escura
Ou pura contradição

Mentira mais verdadeira
Verdade mais traiçoeira
Não diz sim e sim diz não






sábado, 16 de fevereiro de 2019

Sem arremedos



O medo, esse famigerado. Pior que segredo congelado. Pior que bruma, que não te deixa ver porranenhuma. Medo é amedrontador, dor que não dói mas rói o ser, entorta o talher, faz o travesso virar do avesso, vira bicho de sete cabeças de quartas a terças Medo é abrupto ou em câmera lenta  é corrupto e se deixa subornar ao luar. Medo de perder o controle, o da TV e o de si e da vida. Medo é vidro em cacos com pés descalços, medo é percalço a um metro da meta. É sombra, escombro silencioso, é sonhar com o Bozo e acordar em prantos medo do por enquanto virar passado, porão mal assombrado. Medo é um coração dilacerado pelo desencontro, de nunca estar pronto pra começar recomeçar findar receber dar. Medo é órbita solar que gira gira e não sai do lugar.


                                                                                  

sábado, 9 de fevereiro de 2019

Arco-ires



Vão

Se você não é um lorde, eles vão lhe atiçar um cão que morde. 
Eles vão...
Se não lhe cabe mérito, eles vão lhe confinar no pretérito. Eles vão...
Se você não é amigo do Grão Vizir, eles vão dificultar o seu ir e vir. Eles vão...
Mas como na vida tudo passa, eles vêm, eles vão... Eles vão!


                                                              

sábado, 19 de janeiro de 2019

Cheque em branco



Cada amanhecer é uma folha em branco e sua virgindade. Temos certa liberdade para imprimir nela o mesmo de antes ou o novo. Cabe o garrancho, a caligrafia, cabe ensaio e poesia. A palavra sempre cabe. Porque ela escorre, se infiltra, córrego ou rio caudaloso, placidez ou correnteza. As palavras estão ocultas pelo ofuscamento da claridade matutina. Prefiro a inquietação convertida em inquietude da perseguição ao sentido que se expressa pelo verbo. Mas o verbo neologístico, de preferência.  Prefiro aos silêncios, desses que nada acrescentam. Faço picada, abro a facão, dou forma à trilha, ainda que não vá dar em nada, lugar algum. A folha em branco que reluz manhã não é pra ser despejo, foz do que se originou do pensado e prévio. Que a folha sem mácula seja insolente e nos provoque, nos  esbofeteie e chame para o duelo, nos tire da zona de conforto tantas vezes apelidada de inspiração, que nos ponha pirados por desinspirados e que nos resgate da mesmice, da bula e receita, do não ruim que não é bom, do que só adorna e não entorna, fogo que só amorna. Novo dia, renovada poesia. Página em branco que exala frescor transmutável em amor.


Útero


Cúmplice, vívida página
Tácita, íntima, prática
Vítima, cínica tática
Pálida, anímica, mágica

Trêmula, tímida, próxima
Ínfima lâmina, dádiva
Física, lírica fábrica
Quântica, rústica, sólida

Lúcida lâmpada anárquica
Sôfrego, cravo-te símbolos
Risco-te, tornas-te gráfica

Rútila pétala, vínculo
Cálida, incitas-me ávida
Página, faço-te grávida




                                                                                   

sábado, 15 de dezembro de 2018

rir de ti e de si



Ridículo é o que desperta o riso. Diz-se que o homem é o único animal que ri. Hienas não contam, porque aquilo só parece riso, sem ser, daí a expressão sorriso de hiena significar o que significa.

Embora seja uma das evidências da superioridade e supremacia da espécie, o riso humano é primitivo, atávico, visceral. Então o ridículo é um conceito intimamente ligado a esse primitivismo. Desperta o riso sarcástico. Tem um quê de cruel e perverso. É quase impossível não rir de alguém que cai de bunda no chão ou comete uma gafe em público, Vanusa em elevado estado etílico inventando partes da letra do Hino Nacional para uma plateia de autoridades, que se esforçam piedosamente para não explodir em riso coletivo na cara dela. Como evitar?

Crianças frequentemente são um tanto cruéis. Sempre que têm uma chance, sacaneiam o colega por pura diversão e o prazer de rir disso. É parte da natureza humana, da nossa espécie superior. Esse prazer se estende ao adulto. O humor, se não é jocoso, crítico, meio ácido, é grande candidato a despertar mais bocejos que riso. Quando os produtores do desenho do Tom & Jerry decidiram transformar a dupla em amiguinhos, a coisa perdeu totalmente a graça. Mesmo sabendo que sempre vai se dar mal, torço pro Frajola conseguir pegar aquele chato do Piu-Piu.

A poesia quase sempre é tratada com muita reverência, até mesmo pelos poetas e isso acaba lhe conferindo uma aura de seriedade e profundidade. Nada contra isso, mas um certo humor de quando em quando não deprecia a sua nobreza. Que o digam os repentistas nordestinos nas emboladas e no cordel.

E rir é um grande remédio, inclusive rir de nós mesmos. Automedicação, nesses casos, é recomendável. Graça que é de graça. Graça Divina deve ser Deus morrendo (hahaha!) de rir de nós, suas criaturas.