A gente percebe poesia não só em poemas. Na Natureza, num gesto, num som, numa melodia, mesmo em palavras sem prévia intenção poética, em outras formas de arte também.
Chico Buarque, em um dos seus muitos lampejos diz:
Passas em exposição
Passas sem ver teu vigia
catando a poesia
que entornas no chão
O apaixonado vê poesia na musa que talvez ela não tenha intenção nem consciência de emanar.
O cinema, arte complexa, convergência de várias artes, é um veículo frequentado pela poesia. Recentemente mencionei Blade Runner, aludindo a isso. Hoje falo de um outro predileto meu, Asas do desejo, do alemão Wim Wenders, o mesmo de Paris, Texas e Buena Vista Social Club, entre outros e que narra a saga de um anjo que se encanta com uma mortal e abdica da imortalidade para poder consumar carnalmente a sua paixão. Anos depois foi refilmado numa produção americana, com Nicolas Cage e Meg Ryan, como Cidade dos anjos, com maior sucesso de bilheteria e menor envergadura artística.
Asas do desejo é poesia em forma de cinema. Não é o único filme da caudalosa produção mundial que poderia ser descrito assim, mas tem todos os elementos que o fazem assim.
O roteiro, a fotografia em preto e branco, a música envolvente e que pontua o clima, as falas em off do anjo narrador e seus diálogos com um outro anjo sobre a condição humana, os monólogos-pensamentos da trapezista que o anjo tem poder telepático de “ouvir”, enfim, o filme respira uma atmosfera poética que inspira. As imagens, sons, gestos e palavras injetam a poesia que transborda e nos contagia a alma, como num bom poema.
Despertar
O anjo se sente sozinho
Nem o vinho lhe traz paz
Imortal, vive demais
Condenado a não ter fim
Uma estrela nasce agora
Outras, prestes a apagar
Eras feito meras horas
Amplidão é um só lugar
Sem volúpias, sem urgências
Poder tudo e nada ser
Seus prodígios e ciências
trazendo um quase prazer
Quisera ser bem mortal
No sangue sentir sabor
Chorar e rir por amor
Viver o essencial
Querer, sem poder, morrer
Sua sina não querida
Sonho vão de eterna vida
com a vida que iria ter
Foi súbito o despertar
Mortal se viu de repente
Com gosto e cheiro de gente
Sonhou ou está a sonhar?
Assistam o vídeo baseado no meu livro: http://www.youtube.com/watch?v=RwY7bTSfqpc
Perfeita descrição. .... linda poesia.....
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