Noititudes
A
noite, quer você note ou não, é açoite no coração, é quando os fantasmas lhe
fazem crer que lhe darão o prazer de não aparecer, mas são insones, clones de
si mesmos, e lhe fustigam nada a esmo, com precisão cirúrgica e obsessão
metalúrgica. A noite fala baixo e por isso acende um facho no seu próprio ruído
interno e é um inferno ter de ouvir angústias sem elixir, aflições como rojões,
enredos de puro medo, sirenes de incêndios imaginários e tapa-ouvidos
precários. Noite requer o antídoto da distração, filme na televisão, mesmo
dramalhão, jogar videogame game over ninguém me ouve, comer mesmo sem fome,
cismar que é o Lobisomem, apagar a luz e ouvir vozes, comer um quilo de nozes,
acender a luz e a vista doer, pisar descalço na ponta de um talher e doer,
querer doar pro Médicos sem Fronteiras mas à noite inteira o note trava;
cochilar e sonhar que bóia em lava, acordar e cismar que a bunda tá queimada,
cochilar de novo e sonhar que Torquemada lhe mostra um ferro em brasa. Só tem
um alento, um unguento, uma panaceia, alívio pra cefaleia que é a noite longa e
sádica feito um nazista de suástica: o desejo de escrever, de extravasar, de
regurgitar toda pergunta sem resposta, o que não basta porque se posta, toda a
incerteza, toda estranha beleza das entranhas, das sanhas, das manhas, pra que
as manhãs ressurjam e me encontrem vivo, mesmo sem nobres motivos. Toda noite é
um susto e tem um custo, mas me safo no desabafo, na escrevinhação que tem o
dom de fazer um furo no escuro e vislumbrar no outro lado que ainda há dados
por rolar e que o dia é sempre uma volta ao lar.
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