O verbo estranhar e o substantivo estranho se referem à nossa reação
diante do novo e, por consequência, do desconhecido. Porque se trata de lugar,
situação ou pessoa que não conhecemos e de forma instintiva, assumimos uma
postura inicial de cautela, de autoproteção ante esse novo.
Essas palavras, em seu uso corriqueiro, acabaram ganhando o estigma de um único e negativo significado, apenas um sinônimo de esquisito e até suspeito. Assim,
dizer que um cara ou um lugar é estranho já causa tensão, suspeitas.
Os artistas mais provocativos se apropriam desse recurso para mobilizar
sua audiência, levá-la a pensar, questionar padrões, o que se convencionou chamar
de “causar estranhamento”. Andy Wahrol é um bom exemplo disso, ao reproduzir em
telas, gigantescas latas da sopa Campbell’s, na década de 1960, provocando o
público a refletir sobre o conceito de valor intrínseco e extrínseco de obras
de arte, extraindo um objeto banal do cotidiano corriqueiro. Mas o artista
dadaísta Marcel Duchamp já tinha feito isso em 1917, com a obra “A fonte”, que
nada mais era que um urinol, desses de banheiros públicos.
Depois do nefasto episódio de 11 de setembro de 2001, os tempos globais
se tornaram ainda mais paranóicos e o que se viu a partir daí, foi uma espécie
de encarnação na realidade do clima dos filmes de ficção científica de tanto
sucesso na década de 1950, pós Segunda Guerra Mundial e prelúdio da recente Guerra
Fria que polarizou o planeta em comunismo e capitalismo. A ótica era a do
extraterrestre hostil, malvado e predador, afinal eram estranhos nos visitando
e isso remetia mais a invasão e dominação do que a intercâmbio pacífico entre
civilizações. A palavra estranho a serviço do atirar primeiro e perguntar
depois.
Embora, as manifestações de arte que levam a estranhamentos tenham se
tornado mais frequentes – estão aí as Bienais de artes plásticas para
evidenciar isso - ainda predominam os conceitos do “belo”, do “estético”, do
refrão da música que pega, do bordão de humor de fácil riso, do filme com
princípio, meio e fim e ritmo ágil e esse é o padrão, o do senso comum e o que
não se enquadra nesse panorama é considerado alternativo, “cabeça”,
experimental e, porque não – estranho. É Hermeto Pascoal fazendo música
criativa, meio misturada com performance, numa chaleira com água dentro, é Ferreira Gullar em poemas com inversões de sentido, o que os franceses chamam de "detournament" (desvios), é
Caetano Veloso exercitando sua porção cineasta com um “Cinema Falado” que quase
ninguém entendeu e poucos gostaram, a música dodecafônica soando “desafinada” e
desconexa para ouvidos não habituados, a “body art” cobrindo inteiramente
corpos e os transformando em grandes tatoos ambulantes.
O fato ao qual todos deveríamos nos curvar é que ninguém pode impor ao
outro o seu “bom gosto”. E que estranhamentos em arte têm no mínimo a saudável
função de nos tirar da zona de conforto do já conhecido, do “mais do mesmo”.
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