A experiência extrema
e perturbadora que é viver nos leva a buscar alentos, atenuantes. Sem
fazer juízo de
valor: uns se apegam à religião, outros
a alguma paixão, uns à arte e
outros ainda a uma postura um tanto cínica que
consiste em saudosismo escapista, descrença em tudo
e todos e absoluta desesperança.
Fico com a arte. Não que ela
seja a resposta pras angústias, aspirações e mistérios da
vida, não por
escapismo, mas por acreditar que a arte é um
mediador entre o Eu e o mundo. Ela faz pensar, ela lança luz, ela
encanta, nos mobiliza, instaura o primado do belo e exerce um descompromissado
e meio anárquico papel terapêutico de
tanto perturbar quanto mobilizar.
Perdi a conta de quantos relatos
ouvi de gente que foi “salva” pela arte
em circunstâncias de desânimo, vazio, incerteza.
O artista tanto constrói quanto desconstrói o
estabelecido, com suas peculiares visões. Mesmo quando
se apropria do que é mais banal no cotidiano. A arte
que não embarca
no que inaugura, na invenção ou reinvenção, em
regurgitações criadoras, somente estaria reproduzindo
mais do mesmo, num enfadonho burocratismo que compila e coleta clichês que só servem
pra manter tudo no mesmo lugar.
Então esse
lugar da arte é único.
Singularidade que se faz necessária pra não
sucumbirmos à verdade, como sabiamente disse Friedrich
Nietzsche, filósofo e poeta.
Ressonância
Então
minh’alma é pega de surpresa
O
russo Rachmaninov num prelúdio
Tocado
em grande órgão de mil tubos
Mal
posso suportar tanta beleza
Tamanha
angústia , fúria e incerteza
Sublime
e visceral, me deixa mudo
Talvez
narrando a síntese de tudo
Aguda
pequenez, grave grandeza
O
músico fibrila em extertor
Canal
carnal de gelo e de calor
Limites
da existência num conflito
A
nave da igreja em ressonância
Meu
choro é emoção de redundância
Na
pré-palavra a fala do inaudito
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