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quinta-feira, 17 de julho de 2014

Cantando e falando de cançonetos


Já postei uma vez aqui sobre as canções e o quanto elas me fascinam, a ponto de o ouvinte ávido ter acabado se tornando também um autor delas. Canção é fusão, ou superposição, ou entrelaçamento(adoro  sinônimos) de duas artes: música e literatura. As boas canções são as que, nesse entrelaçamento, conseguem chegar a ser como uma coisa só e nos dão a sensação de que texto e música, verso e melodia, mensagem e harmonia, musicalidade das palavras e musicalidade intrínseca da música propriamente dita, não existiriam se apartadas, ou pelo menos não seriam tão boas com cada vida sua isoladamente. Cada frase melódica tem que traduzir fielmente o que o verso quer dizer e também como o verso em si soa.

Entre 1996 e 1999, o compositor Antonio Jardim musicou cerca de 40 sonetos meus e demos o nome de Cançonetos a esta série.

Mas pra bagunçar um pouco esse coreto conceitual todo, cabe dizer que sou um cancionista que recorre quase sempre ao poeta, já que costumo musicar poemas que nasceram como poemas mesmo, sem a prévia intenção de ser letra de canção. Aonde isso vai? A uma maior dificuldade de alcançar a tal fusão texto-música. Um compositor que faça só a música , ou mesmo um compositor que também seja o letrista, se faz a música antes, ela se desenvolve sem a preocupação com adequações à letra e isso passa a ser problema a posteriori do letrista. O mesmo se dá se o letrista cria o texto antes da música.

Digamos que a canção ideal – falo isso em tese – é a que nasce com letra e música simultâneas, porque palavra e música vão se moldando ao mesmo tempo, vão se seduzindo, namorando e uma inspirando a outra em sinergia. Falo em tese, porque basta ouvirmos uma Beatriz, parceria de Edu Lobo e Chico Buarque, letra feita depois da música pronta, pra na prática a gente ver conceitos caindo por terra.

Tenho muitas canções feitas a partir de sonetos meus. Tanto que acabei escrevendo um soneto que fala sobre isso:



Cançoneto


Sim, sou neto do soneto
e afilhado da canção
Hipotenusa e cateto
Reverência e implosão

Duas quadras, dois tercetos
pulsam feito um coração
Nasce assim o cançoneto
Verso e música em fusão

O poema abre a garganta
e ao dizer-se então se encanta
de se ouvir tão musical

E se entrega à melodia
ao ritmo e à harmonia
Cançoneto natural



Alguns desses cançonetos estão gravados. Um deles, chamado Por um fio, fala dos personagens do circo, tão arquetípicos e tão presentes no imaginário de todos. O circo é uma das grandes metáforas da vida e o soneto, por ser bastante imagético e sonoro, pedia música e virou letra de canção. O fato de os versos serem dodecassílabos, ou seja, longos, representou uma dificuldade a mais na feitura da canção e ao mesmo tempo, um prazer extra.



Por um fio


 E vou eu voando solto rente a lona
Se sou um quase pássaro pra que a rede?
Um peixe dentro dágua nunca sente sede
É pra ver o céu que ele vem à tona

Cabeça mergulhada em boca de leão
A Morte e eu num duro jogo de xadrez
Num xeque-mate mostro a minha intrepidez
E eis que outra vez delira a multidão

Retiro colossais coelhos da cartola
Serrei ao meio a moça e esqueci a cola
E todos estremecem tendo um calafrio

Mas pinto a cara, faço troça ensandecida
Arranco risos, levo tombo e sei que a vida
é sonho, é circo, é susto, é o pulso por um fio




Ouçam no myspace a gravação deste cançoneto. (Tem que copiar e colar na barra de endereços do navegador)

http://www.myspace.com/music/player?sid=59077117&ac=now






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