Já postei
uma vez aqui sobre as canções e o quanto elas me fascinam, a ponto de o ouvinte
ávido ter acabado se tornando também um autor delas. Canção é fusão, ou
superposição, ou entrelaçamento(adoro sinônimos) de duas artes: música e
literatura. As boas canções são as que, nesse entrelaçamento, conseguem chegar
a ser como uma coisa só e nos dão a sensação de que texto e música, verso e
melodia, mensagem e harmonia, musicalidade das palavras e musicalidade
intrínseca da música propriamente dita, não existiriam se apartadas, ou pelo
menos não seriam tão boas com cada vida sua isoladamente. Cada frase melódica
tem que traduzir fielmente o que o verso quer dizer e também como o verso em si
soa.
Entre 1996 e 1999, o compositor Antonio Jardim musicou cerca de 40 sonetos meus e demos o nome de Cançonetos a esta série.
Mas pra
bagunçar um pouco esse coreto conceitual todo, cabe dizer que sou um
cancionista que recorre quase sempre ao poeta, já que costumo musicar poemas
que nasceram como poemas mesmo, sem a prévia intenção de ser letra de canção. Aonde
isso vai? A uma maior dificuldade de alcançar a tal fusão texto-música. Um
compositor que faça só a música , ou mesmo um compositor que também seja o
letrista, se faz a música antes, ela se desenvolve sem a preocupação com
adequações à letra e isso passa a ser problema a posteriori do letrista. O
mesmo se dá se o letrista cria o texto antes da música.
Digamos que
a canção ideal – falo isso em tese – é a que nasce com letra e música simultâneas,
porque palavra e música vão se moldando ao mesmo tempo, vão se seduzindo,
namorando e uma inspirando a outra em sinergia. Falo em tese, porque basta ouvirmos
uma Beatriz, parceria de Edu Lobo e Chico Buarque, letra feita depois da música
pronta, pra na prática a gente ver conceitos caindo por terra.
Tenho muitas
canções feitas a partir de sonetos meus. Tanto que acabei escrevendo um soneto
que fala sobre isso:
Cançoneto
Sim, sou
neto do soneto
e afilhado
da canção
Hipotenusa e
cateto
Reverência e
implosão
Duas
quadras, dois tercetos
pulsam feito
um coração
Nasce assim
o cançoneto
Verso e
música em fusão
O poema abre
a garganta
e ao
dizer-se então se encanta
de se ouvir
tão musical
E se entrega
à melodia
ao ritmo e à
harmonia
Cançoneto
natural
Alguns
desses cançonetos estão gravados. Um deles, chamado Por um fio, fala dos
personagens do circo, tão arquetípicos e tão presentes no imaginário de todos. O
circo é uma das grandes metáforas da vida e o soneto, por ser bastante
imagético e sonoro, pedia música e virou letra de canção. O fato de os versos
serem dodecassílabos, ou seja, longos, representou uma dificuldade a mais na
feitura da canção e ao mesmo tempo, um prazer extra.
Por um fio
E lá vou eu voando solto rente a lona
Se sou um quase pássaro pra que a rede?
Um peixe dentro d’água nunca sente sede
É só pra ver o céu que ele vem à tona
Cabeça mergulhada em boca de leão
A Morte e eu num duro jogo de xadrez
Num xeque-mate mostro a minha intrepidez
E eis que outra vez delira a multidão
Retiro colossais coelhos da cartola
Serrei ao meio a moça e esqueci a cola
E todos estremecem tendo um calafrio
Mas pinto a cara, faço troça ensandecida
Arranco risos, levo tombo e sei que a vida
é sonho, é circo, é susto, é o pulso por um fio
Ouçam no myspace a gravação deste cançoneto. (Tem que copiar e colar na barra de endereços do navegador)
http://www.myspace.com/music/player?sid=59077117&ac=now
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