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quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Eros e Psiquê


Carlos Drummond de Andrade felizmente foi reconhecido em vida. E seguiu sendo após sua morte. Isso num tempo em que a midia não exagerava no culto à personalidade que cria celebridades instantâneas é notável. E absolutamente merecido.

Mas um senão nesse panorama me desgosta. Drummond escreveu poemas eróticos. Legítimo direito dele como artista. Mesmo que fossem ruins – e não são – teriam que contar com a nossa complacência. No mínimo. Pelo menos pra mim, Drummond pode tudo. Ele escreveu bonito, tocou, comoveu. Com esses seus poemas eróticos não foi diferente.

Só que ele, talvez devido à sua conhecida timidez, não os quis publicar. Não sei se temeu ter sua imagem arranhada. Prefiro acreditar que foi apenas recato seu. O que aliás combinava com sua alma delicada. Mas delicadeza e sensibilidade de forma alguma são incongruentes com o sexo e com o erotismo. Não sei se foi pensando assim que seus editores decidiram publicar esses versos post mortem, reunindo 40 poemas sob o título O amor natural . Uma espécie de desobediência por uma boa causa: a de não nos privar de uma parte, pequena que seja, da sua arte de primeira grandeza.

Mas e onde está o desgosto a que me referi? Claro que não pelos poemas. Diz respeito a alguns rotularem esses poemas de pornográficos. Vejo um desdém moralista nesse rótulo. Inevitável a comparação absurdamente injusta, o nivelamento por baixo, ao lixo pornográfico e de finalidades meramente comerciais que entulha a internet, as locadoras de vídeo, etc.

Enfim, o erotismo que o próprio Drummond teve o pudor de não tornar público, pode não cair muito bem mesmo para certos admiradores mais empedernidos e conservadores da sua obra. Mas eles sempre serão legítimos Drummond e não uma sofrível manifestação de mau gosto desprovido de afeto.

Vejam por exemplo os versos deste soneto, incluído no livro:

A castidade com que abria as coxas


A castidade com que abria as coxas
e reluzia a sua flora brava.
Na mansuetude das ovelhas mochas,
e tão estreita, como se alargava.


Ah, coito, coito, morte de tão vida,
sepultura na grama, sem dizeres.
Em minha ardente substância esvaída,
eu não era ninguém e era mil seres


em mim ressuscitados. Era Adão,
primeiro gesto nu ante a primeira
negritude de corpo feminino.


Roupa e tempo jaziam pelo chão.
E nem restava mais o mundo, à beira
dessa moita orvalhada, nem destino.



Carlos Drummond de Andrade em O amor natural -1992




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