João Cabral de Melo Neto é um poeta admirável. Linguagem anti-romântica, texto econômico, rigor estético, construtivismo, cerebralismo, são traços marcantes da sua poesia. Pernambucano, viveu seus últimos anos no Rio de Janeiro, no Flamengo. Éramos vizinhos de bairro.
Quando soube de sua morte em 1999, uma semana depois do meu aniversário, fiquei triste, com aquela sensação de perda de mais um grande artista. Tive vontade de expressar isso num poema, quis fazer um réquiem, um lamento. Me ocorreu que fosse num soneto. Instintivamente pronunciei seu nome completo: João Cabral de Melo Neto. Repeti: João Cabral de Melo Neto...foi meu achado poético. Seu nome é um verso! E em redondilha maior, sete sílabas métricas. Rigor e perfeição até no seu próprio nome. Fiz do seu nome-verso o desfecho do sonetilho. Comecei a escrevê-lo pelo final.
O outro Cabral
reconstrói-se a poesia
Tudo que é uma pedra e nada
Alicerce e heresia
A palavra não ajuda
Inaudita, inodora
Peço que ela fique muda
que calado é que se chora
Do rigor já sem controle
meu pesar se desvencilha
num lamento de arco e fole
Me perdoa o dialeto
És maior que a redondilha
João Cabral de Melo Neto