Pode rimar tudo? Pode. Pode não rimar nada? Pode. Pode rimar
eventualmente? Sim.
A poesia é um território onde quase tudo pode. Um território
que tem leis, regras, mas também transgressões conscientes ou não. As regras,
os parâmetros estão instalados nas chamadas formas fixas, com determinações de
número de versos, tamanhos das estrofes, estruturas de rimas e suas respectivas
classificações: trovas, sonetos, etc.
Na década de 1950, com o advento do concretismo, dos irmãos
Campos e Décio Pignatari, que se juntou ao realismo de João Cabral de Melo
Neto, entre outros, a palavra ganha dons de objeto, de entidade sonora em si e
não apenas mero significante a serviço do seu significado, A palavra em si
ganha mais importância.
Na verdade, embora a habilidade de rimar apropriadamente seja
muito bem-vinda, isso nunca foi determinante de um bom texto poético. Em outras
palavras, há poemas repletos de rimas que podem ser ruins ou bons e poemas sem
rima alguma que podem ser bons ou ruins.
Há poemas sem rimas explícitas que no entanto possuem aqui
ou ali, rimas internas – quando duas palavras rimam sem que ambas ou nenhuma
estejam no fim do verso. Há inclusive, poemas que “rimam” de forma ainda mais
sutil, considerando apenas afinidades fonéticas entre essas palavras e nesse
fluxo também se agrega o pulso resultantes da combinação entre palavras.
Pablo Neruda escreveu um livro chamado Cem sonetos de amor,
todos os quais sem nenhuma rima, o que é uma transgressão a um dos cânones da
forma soneto, ainda mais nessa quantidade. Já eu, humildemente, escrevi nesses
mesmos moldes, apenas um soneto, chamado Ungidos. Notem a sonoridade e o ritmo do
texto, mesmo na ausência de rimas.
Ungidos
Impulsionados da maneira certa
os bumerangues cumprem trajetórias
de ida e volta ao ponto de partida
com vento, chuva ou céu de brigadeiro
Um dia um deles quase esbarra em outro
E logo ambos voam paralelos
Algo em comum além de bumerangues
os atraiu de modo irresistível
É que ao contrário dos da sua espécie
os dois são força a impulsionar a si
o que permite o voo de improviso
E ambos ungidos pelo raro encontro
se amalgamaram em nova e eterna rota
de nunca mais voltar ao mesmo ponto
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