Desde a chamada tenra idade eu já me ligava nas palavras e
instintivamente, ainda sem elaborar, me fascinava com suas múltiplas
possibilidades semânticas e sonoras. Tanto que já arriscava meus primeiros
trocadilhos, o que causava certa surpresa nos adultos mais habituados ao menino
introspectivo.
O gosto foi aos poucos evoluindo para obsessão e o já
adolescente era uma traça ainda em crescimento devorando desde bulas de remédio
a romances de Emile Zola, passando por palavras cruzadas, gibis, jornais e
dicionários.
Nesse cenário, a ponte para a escrita foi construída de
forma lenta e sutil e à medida que tímidos e despretensiosos arremedos de
poemas iam tomando forma, foram retroalimentando uma necessidade de me
expressar pela palavra.
O gosto, igual em tamanho e intensidade, pela música,
contribuiu para guindar o flerte com a escrita aos patamares mais altos do caso
sério. Porque minha musicalidade natural não restringia meu foco a mensagem e
conteúdo. Eu desejava também a forma, o significante no objeto sonoro palavra.
E fui deixando de me contentar com apenas ler livros e ouvir discos. Queria
também fazer, criar.
E foram nascendo as canções. Tenho um especial apreço por
canções. Elas são a fusão de dois dos pilares da arte: música e literatura.
A canção me fascina. Escrevo isso ao som de Mônica Salmaso
interpretando canções de Guinga e Paulo César Pinheiro. Beleza beirando o
sublime. A canção não é simplesmente uma letra musicada ou uma música letrada.
Não é mera superposição de linguagens. Uma canção é a fusão de duas entidades
que resulta numa terceira entidade. Daí sua singularidade enquanto arte.
Uma bela canção é como um amor correspondido, que é maior
que a soma das partes. Letra e música se valorizam mutuamente. Notas musicais,
fonemas, ritmos e rítmicas, melodias ascendentes que ressaltam exclamações e
descendentes que evidenciam melancolias, acordes maiores, menores, perfeitos,
dissonantes, tessituras semânticas, harmonia, os sons das palavras fundindo-se com os sons musicais, enfim, boas e belas
canções são propulsores universais da alma da gente. Não ficamos indiferentes a
elas e parece que tampouco elas a nós.