Importante

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sexta-feira, 24 de junho de 2016

Cine Poesia

O poeta que vos fala foi um cinéfilo precoce. Tanto que em plena adolescência já tinha me decidido a estudar Cinema na Universidade e assim o fiz.


Cinema, multiarte complexa, exerce fascínio em muitos, merecidamente. E comigo não foi diferente. Cinema é imersivo. Na sala escura você mergulha e meio que deixa de ser você por umas horas e encarna o herói, o vilão, o personagem que te toca, viaja com ele e suas angústias, prazeres, sonhos, covardias e coragens. Ora escapismo, ora soco na boca do estômago.

Essa paixão certamente alimentou minha imaginação e abastece o poeta até hoje. Não por acaso muitos consideram muito imagética a minha poesia. E de fato, creio que parte substancial da minha produção evoque imagens, mesmo sem lentes , sem tela, sem autofalantes, a palavra, seu som e significado, a palavra como único suporte e veículo levando à convergência de razão e emoção, mobilizando, tirando da zona de conforto, instigando o pensar.

O olhar singular do poeta é o filtro, a câmera, sua caneta ou teclado, os refletores que lançam luz na cena e em segundos de leitura temos o filme-poema expressando mundos externos e internos. Cinema, poesia e música (nas canções) são transes que cada um vivencia e processa ao seu modo.


Poemas são curta-metragens cujo som e movimento ocorrem latentes, quando o que deles emana se converte em percurso, experiência e arrebatamento.



quarta-feira, 15 de junho de 2016

Especulando


Deu-me náusea, aquele homem, causava-me ódio e susto, eriçamento, espavor. E era – logo descobri ... era eu, mesmo!" (Guimarães Rosa – O espelho)

De novo o espelho, um dos meus temas recorrentes.

A função do espelho é refletir. Nosso duplo reflete. E nós, os originais, também refletimos. Reflexos são um tanto perturbadores. Miramos nosso reflexo como o outro nos vê. Então nós no espelho parecemos o outro. Porque esta é a única situação em que vemos nossa própria imagem. Nosso reflexo nos imita, só que nos inverte. Iguais e não. Cópias vítreas e planas.

Espelhos seduzem o Narciso em nós. São irresistíveis, nos atraem feito ímãs. Se são públicos, olhamos pra eles, ou seja, pra nós, comedidamente. Sem testemunhas, fazemos caretas, conversamos conosco em voz alta, simulamos olhares e gestos, linguagem corporal de conquista. Mas tem espaço também pros estranhamentos, a não aceitação de uma ruga nova, cabelos começando a rarear.

Ambiguamente, o espelho seduz e afronta, porque na verdade nos confronta com nós mesmos.






sexta-feira, 10 de junho de 2016

Jogos de guerra

Sempre fui fã de esportes. Eu mesmo fui por longo tempo praticante, curiosamente de um esporte que, quando praticado em nível amador e de massa, tem como seu rival e competidor, você mesmo, sempre tentando melhorar suas próprias marcas e sempre se sentindo um vencedor só por completar a extenuante prova de 42 km.

No entanto não é assim quando se trata do esporte profissional, com suas confederações, patrocinadores, mídia, etc. A competição é desenfreada e se chega ao ponto  do uso de substâncias proibidas. É muita pressão e anos de árdua preparação e sacrifícios da vida pessoal, tudo de repente pode desmoronar por uma diferença de um centímetro ou um centésimo de segundo.

Os Jogos Olímpicos eram um evento capital na Grécia Antiga e serviam para exaltar a força, a resistência, a rapidez dos soldados. Uma celebração - com laivos de propaganda - da supremacia dos guerreiros gregos sobre outros povos. No século XX, já na era moderna dos Jogos, em 1936, em plena ascensão do Nazismo, Hitler tentou esse recurso. Cada atleta alemão que vencia uma prova no estádio lotado em Berlim, era enaltecido como mais uma das provas da superioridade da raça ariana. Não deu muito certo, porque alguns negros colocaram água no chopp alemão, culminando com a esmagadora vitória de Jesse Owens nos 100 m rasos.

Por ser um aficionado dos esportes, me sinto à vontade pra questionar. Por que esse paroxismo com as competições? A essência dos Jogos Olímpicos permanece até hoje: são Jogos de Guerra. Sim, os atuais são uma guerra só simbólica, onde o sangue não corre na arena e nem a Morte ronda as pistas e os ginásios. Mas são disputas que celebram o mais forte, o mais apto, uma visão darwiniana da vida.


E para que haja um vencedor, é preciso que haja um ou mais perdedores. Já vimos várias vezes os pódios com “choro de prata”: o guerreiro que lutou com bravura mas no confronto final foi derrotado. Refleti sobre isso e me dei conta do quão eugênico o mundo ainda é e talvez continue sendo para sempre.  Somos bilhões de não heróis aplaudindo uma pequena casta, a nata da raça humana.



quinta-feira, 2 de junho de 2016

Experimentar é impreciso. Viver também. Mas precisamos de ambos.

Voltando ao tema experimentações (como eu abuso da paciência de vocês!), a poesia, dentre as Letras, não é o único terreno fértil pra experimentações. Sim, isso provavelmente se dá mais nesse campo da poyesis, mas não esqueçamos que James Joyce e Guimarães Rosa, entre outros, o fizeram em romances.


Experimenta-se com a forma – a palavra em relevo mais como significante que significado – com os sons, os ritmos e até com os conteúdos, significados em aberto, ambivalentes, ou suprarreais, enfim.

Experimenta-se com transgressões a formas poéticas mais tradicionais. Exemplo: com a popularização dos haicais, que são poemas tradicionais japoneses de apenas 3 versos, o que já se transgrediu aí é incontável. Quebras de regras, a maioria intencionais, de número de sílabas, de temas, a incidência de rimas.

Experimenta-se com a poesia visual, no concretismo dos irmãos Campos e de Décio Pignatari.

Experimenta-se com os neologismos, as aglutinações de palavras, criando ricos e novos significados pela fusão de duas palavras preexistentes.

Experimenta-se com o rapp, assim como os repentistas, no improviso veloz.

Já experimentei e transgredi com de tudo um pouco, mas acho que do que sempre gostei mais foi experimentar com sonetos. Peguei-me pensando no porquê disso e acho que já encontrei a resposta.

 Sempre tive prazer em me propor desafios na escrita. Bem, o simples fato de concluir um soneto, como todos os seus rigores de construção, que levam o autor à loucura de escrever todo o tempo com um olho na forma e outro no conteúdo e isso é mais árduo de construir que qualquer outra forma poética, imaginem então se propor a escrever um soneto inteiro apenas feito com palavras monossílabas (acabei escrevendo três), ou só com palavras proparoxítonas (fiz dois), pra não falar de sonetos com todas as métricas possíveis, desde uma a treze sílabas (os sonetos clássicos são os de dez ou doze sílabas métricas, sendo que os de cinco e sete, são chamados de sonetilhos). Até um soneto sem nenhuma rima eu fiz, à la Neruda nos seus Cem sonetos de amor.

Vou compartilhar com vocês um desses sonetos, no qual cismei que todo final de verso teria de ser com uma palavra proparoxítona e com rimas preciosas. A ideia era dar um tom jocoso ao personagem que narra, um tremendo hipocondríaco que ou não sabe disso, ou sabe mas prefere acreditar que não sabe.


0u sabe mas apenas nega, como "algumas" figuras da vida pública...