Importante

Todos os textos do blog, em prosa e verso, a não ser quando creditado o autor, são de minha autoria e para serem usados de alguma forma, necessitam de prévia autorização.

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Menos sendo mais. Ou não.

Se você não é poeta, imagine que é.

O que você faria se de repente fosse tomado de assalto por palavras, como numa torrente de rio bravio? Você as cuspiria no divã, sussurraria no confessionário ou sairia por aí deitando palavrório na tela de um computador ou de viva voz numa praça pública, posto que somos mansos seres humanos psicóticos latentes prontos para reagir a esse acometimento vernacular?

Salvo algumas incontingências poéticas que me fazem ficar “apertado”, numa urgência de verter versos abundantes, prefiro me conter mais ( não sei se isso vem com o decorrer dos anos) num processo breve de fermentação. É como se eu fosse enfiando as palavras num funil e o que saísse na extremidade mais estreita fosse o sumo concentrado do que aquele caudal inicial poderia querer dizer, expressar.

Não chega a ser um processo de doma, como quem doma um leão impetuoso e feroz. Eu diria que é mais uma quieta e interna colheita onde só colho o que pode ser parte relevante do quebra-cabeça que aos poucos vai se configurando na mente, esboço de ideia, ritmo, sentido e som.

Longe de mim propor isso como certo. Não sou adepto de cartilhas. Sempre detestei cadernos de caligrafia. Poesia é um território amplo, de muitos matizes, de geografia muito variada, portanto não existe fórmula para um belo poema nascer e ser. Falo apenas por mim e compartilho com vocês, meus pacientíssimos leitores.

No meu fazer, tenho predileção pelo “menos é mais”, pelo enxuto, o concentrado. Não sei, mas cismo que disso costuma resultar mais intensidade, força e expressividade.
Mas, poetas e futuros poetas, não me levem tão a sério. Se tiverem de ser incontidos, sejam! Surtem poeticamente, subam na mesa. O que importa é que a poesia toque, provoque, perturbe e enterneça.



sexta-feira, 22 de abril de 2016

Poeta prosa

Ainda adolescente li muita prosa e muita poesia e apreciava ambas. Mas nos momentos – àquela altura ainda esparsos – em que a vontade de me expressar pela palavra se fazia presente, minha escolha recaía na poesia, como acredito que também no caso de maioria dos que escrevem. E tenho um palpite que talvez seja só uma explicação incompleta pra questão: o hábito, a tradição mesmo de apreciar as letras da música popular e isso ocorre em nível global. E isso fica no imaginário da maioria dos poetas e aspirantes a.

Outra coisa que me ocorre na tentativa de entender a relação da poesia com os poetas é que a poesia, por ser linguagem econômica, possibilita que uma obra caiba numa folha de papel ou numa página do Word. Aliás a popularização do computador acabou ensejando os micropoemas. Talvez intimide menos do que escrever um romance e o prazer proveniente da conclusão de um poema seja mais imediatista que no caso dos demorados romances.

Eu mesmo sempre achei curiosa a forma que adotei desde as primeiras postagens no blog, ou seja, um texto em prosa que abre o post e um poema meu que fecha o post, sempre mantendo uma ligação umbilical entre a prosa e o poema, quer no tema, quer na metalinguagem sobre a forma.

Gostei tanto disso que até hoje nunca mudei esse roteiro. Acho interessante que um poeta escreva um blog sobre poesia e a cada postagem esteja também exercitando a prosa. Todos nós, poetas ou não, somos prosadores instintivos, animais falantes que somos.

O que me agrada mais como prosador em blog de poesia é que me sinto conversando com meu leitor. Como se fosse um papo animado entre aficcionados que têm uma forte afinidade.


É provável que sob esta influência eu volta e meia produza textos onde características da poesia e da prosa apareçam intencionalmente misturadas.



                                                                                    

quinta-feira, 14 de abril de 2016

A pá que lavra






 Desde quase sempre fui um devotado palavreiro. A palavra e seus conjuntos: frases, aforismos, versos, costumeiramente me mobilizam. Apesar de uns ditos populares afirmarem que “palavras o vento leva” e “uma imagem vale mais que mil palavras (eu diria até que um verso ou frase expressiva podem valer mais que mil imagens), sigo sendo adepto da escrita de suas formas e sons, metáforas, hipérboles, proparoxítonas (adoro proparoxítonas e sua pulsação vigorosa), tanto que tenho pelo menos dois sonetos feitos só com proparoxítonas.

Mas, paradoxalmente, ando meio desiludido com elas, com seu papel tornado secundário pelo Primado da imagem. Não que eu tenha nada contra a imagem, aliás adoro cinema, que considero uma arte supercomplexa. Mas notem que o cinema faz a imagem e o som prontos pro espectador. É diferente da Literatura. A escrita induz o leitor a imaginar, dar vida ao que inicialmente é tinta no papel. Já o cinema, que é som e imagem, poupa o espectador de imaginar. O cinema é fascinante, mas a escrita, muito mais antiga, pra mim, nunca perdeu um pingo do seu charme. Claro que alguns dirão que a literatura está inserida no cinema pelos diálogos, mas, convenhamos, não há como comparar falas de filmes com boa literatura.

A imagem está disseminada pelas salas de cinema, pela televisão, pelos outdoors, pelas tatuagens, pelas embalagens dos produtos e sei lá mais onde. E a palavra está virando complemento disso. Na era do rádio, que não tinha imagem a voz humana proferindo palavras predominava.

Por isso tenho certa relutância em publicar meus textos, “ornados” de imagens, por mais interessantes que elas sejam, mesmo quando elas exercem o papel de comentaristas do texto. Tenho preferido publicar meus poemas com fundo liso.

Vamos então enaltecer a nossa velha e nova palavra, aquela mesma que te acompanha na cama, no ônibus, no banheiro, na praia e até nos pensamentos. A palavra dos professores, dos poetas, dos oradores, dos atores, dos cantores, das multidões em coro.


quinta-feira, 7 de abril de 2016

Corte & Costura

Na vida, como na poesia, existem regras, padrões, modelos. Mas a poesia, como a vida, possibilita certas quebras desses esquemas.

Este texto não pretende dar receitas nem ser algum manual de escrita. Vejam só como um compartilhamento de algumas ideias que tenho e procuro por em prática quando escrevo poesia.

Pra começo de conversa, a não ser que vocês queiram reescrever A Odisseia ou Os Lusíadas, vamos logo cuidar da chamada concisão. Sempre que possível ser econômicos. Já afirmei isso no blog mais de uma vez e vou repetir: poesia é a linguagem da supressão, onde quase sempre menos é mais. Se você puder trocar “ A chuva bate na vidraça da janela e escorre como uma cachoeira incessante” por  “chove na vidraça” ou “a vidraça chove”, prefira assim! Isso é um dos elementos que mais distingue a poesia da prosa: tentar dizer o máximo com o mínimo.

Temos aí duas questões entrelaçadas: versos muito extensos e poemas muitos extensos. Às vezes são uma coisa só e é aí que o “perigo” ronda, porque estaremos na fronteira entre duas formas quase sempre sem nem ter essa intenção,

Visualmente o que diferencia prosa de poesia?  A verticalidade do texto num poema versus a horizontalidade num conto ou novela. Porque em geral os versos não são longos a ponto de horizontalizar um poema. A exceção são os haicais que por terem 3 versos tendem à horizontalidade.

A poesia moderna instaurou os versos livres e isso quer dizer não se prender a métrica, rima, estrofe ou número de versos. Mas nada impede que escrevamos poemas híbridos, versos livres com algumas rimas ou com estrofes com um número regular de versos.

Digo isso pra entrar no terreno da rima. Tem poeta que acha que tem de rimar tudo com tudo sempre. É como se isso autenticasse um poema.
“O percevejo
pousou no realejo
com desejo
de um beijo
benfazejo”
Rima assim está mais pra eco.

Outra questão é a banalização. Poesia, como já disse, além de uma linguagem de concisão, é também uma forma única de dizer as coisas, de divagar, de exaltar, de refletir, de narrar. A poesia não se parece com nenhuma outra forma de expressão escrita, pois então é o território do não banal. É preciso frisar aqui a grande diferença entre simples e banal. Existem inúmeros poemas simples e belos. Já o banal esvazia a graça intrínseca da poesia.

Sonoridade e ritmo. Bato sempre nessas teclas. São dois elementos que também contribuem e muito pra tornar um poema singular e contribuir pra singularidade da linguagem poética. A poesia tem um forte parentesco com a música e sendo assim temos de buscar a melhor sonoridade de palavras e versos, agregando musicalidade. O mesmo papel faz o ritmo, Notamos muito essa expressividade quando lemos poesia em voz alta.

Procurem privilegiar as palavras tônicas: proparoxítonas e oxítonas. São mais fortes. Evitem versos com muitos fonemas nasais, eles soam fanhosos como alguém gripado,

Outro detalhe a destacar e que acho merecedor da atenção: o título. Não tentem explicar o poema com o título. Não sejam didáticos nisso. Não antecipem o desfecho do poema no título. Pode tirar a graça. Não se afobe na escolha de um título. Em geral os melhores títulos não aparecem no corpo do poema.

Bem, já me excedi com o tema que me empolga. Pode ser que isso motive em breve uma continuação. E mãos à obra, poetas, aprendizes e poetas em potencial. Estamos sempre aprendendo enquanto lemos e escrevemos poesia.





domingo, 3 de abril de 2016

Desconstruindo



Numa continuação informal, recorro a outra possibilidade do poema contar uma história. Dessa vez narrado na primeira pessoa. E propondo uma transgressão, uma metáfora com ares metafísicos, uma subversão do tempo cronológico que só anda pra frente.

Costuma-se dizer que a única certeza que temos na vida é a morte. Acrescento outra certeza: a de que a arte pode instaurar outras realidades, outros âmbitos, menos cartesianos, que abram possibilidades de pensarmos a vida de formas menos conformistas e previsíveis, onde o imaginário e o mágico tenham lugar de importância, tanto quanto as questões do cotidiano.

Imaginem se a vida fosse o reverso de si mesma, ou seja, do que ela é: nascimento, crescimento, decadência e morte. Charlie Chaplin tem um pequeno texto onde ele imagina essa reversão e, bem-humorado, mostra o fim desse ciclo num grande orgasmo, que é imediatamente anterior à concepção. Como seria de se esperar em Chaplin, é bem cinematográfico, só que um filme passado de trás pra frente.

Minha versão, que na verdade fiz antes de conhecer essa narrativa do Chaplin, foi poetizando em forma de um soneto:

Desmorte

Não sei se fui um morto adotado
Se exumado só por distração
Ressurreição de risco calculado
ou planejada enfim a exumação?

Cortejo em luto rumo ao hospital
onde mel mal custou a ser curado
E em bom estado que era terminal
deram-me alta e em casa era esperado

Fui infeliz na tal maturidade
A mocidade trouxe mais alento
O bom momento é agora, a tenra idade

Quente me acolhe o útero sedento
O lento adeus é só felicidade
Morre a tristeza em meu desnascimento





                   Assistam ao video baseado no meu livro: http://www.youtube.com/watch?v=RwY7bTSfqpc