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sábado, 27 de fevereiro de 2016

Rimar ou não. Eis a questão?

Pode rimar tudo? Pode. Pode não rimar nada? Pode. Pode rimar eventualmente? Sim.


A poesia é um território onde quase tudo pode. Um território que tem leis, regras, mas também transgressões conscientes ou não. As regras, os parâmetros estão instalados nas chamadas formas fixas, com determinações de número de versos, tamanhos das estrofes, estruturas de rimas e suas respectivas classificações: trovas, sonetos, etc.

Até o final do século XIX prevaleciam esses rigores, com o Parnasianismo e o Simbolismo. No início do século XX, surge o Modernismo, com claras intenções de rever isso tudo. Surgiram os chamados versos livres, que como a expressão já explicita, vale tudo.

Na década de 1950, com o advento do concretismo, dos irmãos Campos e Décio Pignatari, que se juntou ao realismo de João Cabral de Melo Neto, entre outros, a palavra ganha dons de objeto, de entidade sonora em si e não apenas mero significante a serviço do seu significado, A palavra em si ganha mais importância.

Na verdade, embora a habilidade de rimar apropriadamente seja muito bem-vinda, isso nunca foi determinante de um bom texto poético. Em outras palavras, há poemas repletos de rimas que podem ser ruins ou bons e poemas sem rima alguma que podem ser bons ou ruins.

Há poemas sem rimas explícitas que no entanto possuem aqui ou ali, rimas internas – quando duas palavras rimam sem que ambas ou nenhuma estejam no fim do verso. Há inclusive, poemas que “rimam” de forma ainda mais sutil, considerando apenas afinidades fonéticas entre essas palavras e nesse fluxo também se agrega o pulso resultantes da combinação entre palavras.


Pablo Neruda escreveu um livro chamado Cem sonetos de amor, todos os quais sem nenhuma rima, o que é uma transgressão a um dos cânones da forma soneto, ainda mais nessa quantidade. Já eu, humildemente, escrevi nesses mesmos moldes, apenas um soneto, chamado Ungidos. Notem a sonoridade e o ritmo do texto, mesmo na ausência de rimas.

Ungidos

Impulsionados da maneira certa
os bumerangues cumprem trajetórias
de ida e volta ao ponto de partida
com vento, chuva ou céu de brigadeiro

Um dia um deles quase esbarra em outro
E logo ambos voam paralelos
Algo em comum além de bumerangues
os atraiu de modo irresistível

É que ao contrário dos da sua espécie
os dois são força a impulsionar a si
o que permite o voo de improviso

E ambos ungidos pelo raro encontro
se amalgamaram em nova e eterna rota
de nunca mais voltar ao mesmo ponto



quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Fusões e condensações

Em termos do senso comum, o erotismo diz respeito ao físico, aos sentidos. Isso é clássico, milenar e ainda perdura. 


Cartesianamente, este mesmo senso comum ”separa a cabeça do corpo”, ou seja, separa os sentidos, as sensações, dos sentimentos.

Então, paira a tosca indagação: “_Se tem amor num poema erótico, o poema é erótico ou de amor?” A vida, que a poesia reflete de forma singular, não é assim tão esquemática. Tudo e todos parecem requerer rótulos.

Foi pensando nessa meio furada controvérsia, que resolvi escrever um texto que brincasse com isso, tentando me apropriar das construções típicas da poesia erótica, suas imagens e jogá-las em outro âmbito , o dos sentimentos. A possibilidade do erótico no impalpável, sugerir o concreto, mas tendo como alvo o abstrato. O conteúdo subvertendo a forma.

Foi divertido jogar com isso e penso que o poema passa o lúdico, mas também algo do sublime que resulta dessa fusão sentidos-sentimentos.


sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Arco-rires


A hiena, que eu saiba, ainda não está em processo de extinção, mas nós temos visto cada vez mais o seu riso por aí estampado em rostos humanos ilustrando deboche e sarcasmo, costumeiras armas dos mesquinhos. Mas o riso que brota da leveza, da alegria, mesmo aquele maroto e gozador, este nos ensaboa e enxágua a alma e constrói instantâneas, instintivas pontes com o outro.

A ciência nos diz que rir desencadeia alguns processos fisiológicos benéficos. E a sabedoria popular observa que quanto mais se ri, mais precoces e numerosos são os pés-de-galinha nos cantos dos olhos. Que ostentamos sem tristeza.


O riso faz vinco
que se incorpora ao olhar
Mais, quanto mais brinco


Ridículo é o que produz o riso. Temos a vocação tanto para cair no ridículo - do qual tentamos escapar e por isso mesmo nos afundamos ainda mais nele – quanto de rirmos do ridículo alheio.
Aliás, o riso é contagiante. Se alguém gargalha, mesmo não sabedores do motivo, entramos em ressonância e cada um que se soma a esse coro, é como uma garrafa a mais derrubada nesse boliche.

Rasguem os currículos
Viver não é tão a sério
Sejamos ridículos

O palhaço nos representa bem. Somos aquele atrapalhado, ardiloso, criança pequena ou grande, sentimental, sonhador, no picadeiro, nas telas. Arrelia. Carlitos.
Rindo deles, rimos sobretudo de nós. E isso nos mantém humanos.


Rito

Nem sempre vem à boca o riso mais sagaz
Às vezes se dilui no sopro das narinas
Por outras só se nota o brilho das retinas
Não raro as gargalhadas são só viscerais

Existe o sério, estreita fenda pensativa
Estranho e intrigante como o da Gioconda
Também o que transforma múmia em coisa viva
Que surge sem motivo e se propaga em ondas

O riso é um incessante rito de passagem
Do medo mais adulto à infantil coragem
No rir pra não chorar que atenua a dor

O riso teima em vir em tempos de não rir
Resiste até no esgar do rosto de um faquir
No riso derradeiro de quem ri melhor