Outro dia vi um sujeito dando entrevista no programa do Jô. Não vou citar o nome, mas o que importa é que ele, crítico literário e tradutor, se referiu de forma despudorada, à poesia com menosprezo, chegando a ponto de argumentar que os vencedores do Prêmio Nobel de Literatura são todos romancistas.
Enquanto assistia a isso com desgostoso espanto, me pus a refletir sobre umas questões. Primeiro me perguntei o que, por exemplo, o grande poeta Pablo Neruda, PRÊMIO NOBEL DE LITERATURA DE 1971, estaria sentindo, não pela omissão do seu prêmio, mas por esse ataque generalizado à arte que ele tão bem exercitou e amou. Estendi isso a Drummond, Bandeira, Cecília, Quintana, Cabral, Hilda Hilst, Manoel de Barros, Pessoa, Gullar, os já idos e os ainda conosco aqui e os vi tristes com isso, como eu.
Depois de décadas de resistência de uma maioria à poesia, vista como a prima pobre da família Literatura, o advento da Internet começou a mudar esse panorama, porque a democratização tanto da informação quanto dos meios e modos de produzir essa informação possibilitaram que a poesia finalmente ganhasse visibilidade e isso contribuiu muito para que ela fosse aos poucos deixando de ser vista como coisa chata e piegas, como veículo para o mero sentimentalismo. Na verdade a poesia nunca foi isso, mas o preconceito assim a retratava.
Terreno novo parcialmente conquistado, concursos de poesia se espalhando pelo ciberespaço e pelos espaços físicos do país, assim como os saraus ficando populares e os lançamentos de livros de poesia ficando mais frequentes, resistências cedendo e aí aparece uma pessoa do meio, crítico literário e tradutor, que teria por dever de ofício até, ser agente dessa transformação, mas, ao contrário, destila preconceito e desprezo pela poesia.
Nosso querido gênero literário, a despeito dessa discriminação rasa, tem suas singularidades e encantos que a legitimam e nivelam a qualquer outra forma literária. É essencialmente a linguagem da supressão, econômica, onde o máximo tenta ser expressado com um mínimo de palavras. A prosa não busca isso. Nas formas usuais de prosa não há a preocupação com a concisão minimalista, com ritmo e sonoridade. Com todo o estilo através do qual um contista, ensaísta, cronista ou romancista se manifesta, raramente está em seu foco esse conjunto de recursos que caracteriza a poesia. Salvo as raras exceções de gênios inovadores da linguagem, como um Guimarães Rosa ou um Jorge Luis Borges.
A poesia, gostos à parte, é gênero literário que nada deve a nenhum outro, mesmo que nunca venha a produzir best-sellers em série. E é muito maior que pessoas que a destratam publicamente. Vida eterna à poesia!
Nascimento
Fruto do instinto
e da intenção
No pós-parto
Farto e sucinto
o poema jaz aflito
na solidão do quarto
Ali, escrito
Enquanto a pena
ainda em cena
solerte, repousa
E ele ousa ler-se
com olhar esguelho
no espelho, refletido
Sentidos na contramão
Amor ou Roma?
Alma ou lama?
Ao menos o viver “reviv”
e o leitmotiv
sobrevive intacto
no poema neonato
O autor regressa
A agonia cessa
E enfim o poema
salta do silêncio
ganha a voz do dono
desperta do sono
onde pré-existia
vem à luz do dia
lambuzar a vida
de mais poesia