Importante

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quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Desagravo à poesia


Outro dia vi um sujeito dando entrevista no programa do Jô. Não vou citar o nome, mas o que importa é que ele, crítico literário e tradutor, se referiu de forma despudorada, à poesia com menosprezo, chegando a ponto de argumentar que os vencedores do Prêmio Nobel de Literatura são todos romancistas.


Enquanto assistia a isso com desgostoso espanto, me pus a refletir sobre umas questões. Primeiro me perguntei o que, por exemplo, o grande poeta Pablo Neruda, PRÊMIO NOBEL DE LITERATURA DE 1971, estaria sentindo, não pela omissão do seu prêmio, mas por esse ataque generalizado à arte que ele tão bem exercitou e amou. Estendi isso a Drummond, Bandeira, Cecília, Quintana, Cabral, Hilda Hilst, Manoel de Barros, Pessoa, Gullar, os já idos e os ainda conosco aqui e os vi tristes com isso, como eu.



Depois de décadas de resistência de uma maioria à poesia, vista como a prima pobre da família Literatura, o advento da Internet começou a mudar esse panorama, porque a democratização tanto da informação quanto dos meios e modos de produzir essa informação possibilitaram que a poesia finalmente ganhasse visibilidade e isso contribuiu muito para que ela fosse aos poucos deixando de ser vista como coisa chata e piegas, como veículo para o mero sentimentalismo. Na verdade a poesia nunca foi isso, mas o preconceito assim a retratava.



Terreno novo parcialmente conquistado, concursos de poesia se espalhando pelo ciberespaço e pelos espaços físicos do país, assim como os saraus ficando populares e os lançamentos de livros de poesia ficando mais frequentes, resistências cedendo e aí aparece uma pessoa do meio, crítico literário e tradutor, que teria por dever de ofício até, ser agente dessa transformação, mas, ao contrário, destila preconceito e desprezo pela poesia.



Nosso querido gênero literário, a despeito dessa discriminação rasa, tem suas singularidades e encantos que a legitimam e nivelam a qualquer outra forma literária. É essencialmente a linguagem da supressão, econômica, onde o máximo tenta ser expressado com um mínimo de palavras. A prosa não busca isso. Nas formas usuais de prosa não há a preocupação com a concisão minimalista, com ritmo e sonoridade. Com todo o estilo através do qual um contista, ensaísta, cronista ou romancista se manifesta, raramente está em seu foco esse conjunto de recursos que caracteriza a poesia. Salvo as raras exceções de gênios inovadores da linguagem, como um Guimarães Rosa ou um Jorge Luis Borges.



A poesia, gostos à parte, é gênero literário que nada deve a nenhum outro, mesmo que nunca venha a produzir best-sellers em série. E é muito maior que pessoas que a destratam publicamente. Vida eterna à poesia!




Nascimento


Fruto do instinto
e da intenção
No pós-parto
Farto e sucinto
o poema jaz aflito
na solidão do quarto
Ali, escrito
Enquanto a pena 
ainda em cena
solerte, repousa

E ele ousa ler-se
com olhar esguelho
no espelho, refletido
Sentidos na contramão
Amor ou Roma?
Alma ou lama?
Ao menos o viver “reviv”
e o leitmotiv
sobrevive intacto
no poema neonato

O autor regressa
A agonia cessa
E enfim o poema
salta do silêncio
ganha a voz do dono
desperta do sono
onde pré-existia
vem à luz do dia
lambuzar a vida
de mais poesia


sábado, 24 de janeiro de 2015

Poemúsica

A música emula a vida, ao pulsar. Canções de ritmo mais marcante e marcado e constante ecoam e entram em ressonância com as batidas do coração e nos fazem querer mexer o corpo, bater palmas ritmadamente, balançar os braços, pular, até.
Mesmo as mais plácidas traduzem nossos momentos mais meditativos e contemplativos e suspiram, com notas prolongadas e timbres aveludados. Do Carnaval, rock e funk às valsas, choros e Canto Gregoriano.

Assim também é a poesia. Ela também tem seus pulsos, sons, musicalidade. Os compositores que não escrevem poesia ou letras de música sabem disso e valorizam muito um poema ou letra com o que se chama de boa rítmica e repletos de palavras com boa sonoridade e musicalidade. Grande parte das melhores canções já feitas são produto do casamento entre letras que além de conteúdo e belas imagens poéticas, são dotadas de rica sonoridade, com melodias, harmonias e ritmos que, além de inspirados, traduzem e valorizam musicalmente esses textos.

Recorri à poesia para reverenciar outra das minhas paixões: a música. Procurei urdir versos que, além de criar imagens descritivas da música, passassem isso também de uma forma mais sutil, com a rítmica, a métrica em redondilha maior e palavras sonoras e com isso, o ato de escrever esse soneto me trouxe a sensação de estar compondo música. Chamei-o de Cantochão, que é o canto gregoriano, monofônico, entoado nos mosteiros e que é a base da música ocidental.

Uma música que nos toca, mesmo que não tenha palavras, pode ser pura poesia. E um poema tocante, mesmo sem notas musicais, pode soar muito musical. Já pensaram em que comumente falamos em “tocar” um instrumento ou que uma música está “tocando”? Se for uma canção então, letra e música, ela toca duplamente.


                                                                               

Cantochão



Rendo-me a ti, fluidez
Não me destrói teu poder
Só me dilata o prazer
que leva e traz lucidez

Amo-te, lírica ou densa
Velhas cantigas de roda
Teus lundus fora de moda
És concretude e presença

Índio dançando Ravel
Callas cantando Gardel
Tímpanos do coração

Música, és musa de mim
Nunca ouses ter um fim
Sou teu monge em cantochão



sábado, 17 de janeiro de 2015

Duas faces, uma só moeda

Não costumamos simpatizar e aprovar ladrões,
fora-da-lei em geral. Nossa civilização, salvo em raras culturas que fogem a essa regra, se apoia numa visão polarizada das coisas. Uma das principais polarizações que aparentemente servem pra agregar sentido ao viver é Bem versus Mal. Nossa tendência a uma visão rasa e simplista nos leva a acreditar que esses são extremos excludentes um do outro. Ou seja, se você não é do Bem, fatalmente será do Mal.

Sem dúvida é um conceito e visão que menospreza nossa complexidade humana. Não somos plasmados só em coerências, retidão e estabilidade. A arte talvez nos desvele isso da forma como melhor assimilamos: pela emoção.
Amamos, odiamos, damos vexame, invejamos, nos encantamos, temos fúria, apatia, somos infantis e matusalêmicos. Tudo pelo simples fato de que somos humanos.

Outro dia assisti um filme, um thriller de suspense, onde a narrativa levava os espectadores a torcer pro vilão. O cinema, assim como a Literatura, tem esse dom de nos dirigir, de certa forma nos manipular a ter empatia pelo que está próximo e de certa forma nos identificamos, ainda que de forma inconsciente, com o personagem que transgride.

É quando nossa visão maniqueísta do Bem contra o Mal cai por terra. O mito dos que são sempre só bons e dos que são sempre só maus se dilui, sai de cena, pelo menos até que o filme acabe e as luzes se acendam, ou a última página do romance seja lida e o livro fechado, quando então voltamos ao nosso arraigado padrão do herói derrotando o vilão e nos redimindo.

E a vida segue com suas máscaras de coerência idealizada, de onde vazam nossas contradições, nossos medos e angústias irracionais e até mesmo nossa meninice lúdica aprisionada em corpo adulto pela nossa cultura do contermo-nos.


Dual

Quando amo e quando odeio
Coronárias e neurônios
Meio anjo e demônio
Me revelo ou me refreio

Sou vilão, herói, refém
Sou cruel, maniqueísta
Solidário, altruísta
Sou do Mal ou sou do Bem?

Sou xamã, pagão, judeu
Apostólico romano
Rezo um terço e mato Deus

No vitral, santo profano
Hóstia em boca de ateu
Dualidade é ser humano





domingo, 11 de janeiro de 2015

Somos todos escritores

Nestes tempos digitais, o universo de fotógrafos e escritores cresceu de forma exponencial. Não me refiro aos que fazem disso profissão e meio de subsistência, esses talvez tenham se mantido em número estável. Mas hoje todos temos e usamos câmeras digitais, sejam câmeras mesmo ou acopladas a celulares, cada dia com mais qualidade visual.

E o que não dizer dos novos escritores? Sim, lembrem-se de que os celulares estão longe de ser hoje apenas aparelhos telefônicos. Fotografam, filmam, navegam na internet, são jogos, redige-se e envia-se e-mails, mensagens e até fazem ligações telefônicas!

É mais comum vermos as pessoas escreverem que falarem em celulares. Os polegares não são mais pras crianças sugarem quando dormem ou pros adultos fazerem sinal de positivo, mas pra crianças e adultos digitarem seus torpedos. Tec tec tec tec tec...

Vocês estão lendo e eu escrevendo esse blog! Se contarmos só os blogueiros surgidos nos últimos anos, já daria mais que a população de duas Argentinas.

E quantos de nós, que se considerem escritores ou não, escrevem diariamente e-mails, chats, torpedos de SMS, redações, relatórios, memorandos, bilhetes anônimos, cartões de Natal, pichações nos muros e até poemas!

Tenho minhas reservas quando leio criticas a esses novos tempos, de que são superficiais e desestimulam a leitura. Não é o que vemos na prática: livrarias cada vez mais cheias, feiras de livros cada vez mais concorridas e cada vez mais gente lendo de tudo, inclusive conteúdo (ruim e bom) da internet. E a reboque disso, gente encontrando maiores e novos espaços virtuais pra se expressar pela palavra.

Cabe aqui uma menção muito honrosa aos saraus, que não são invenção da era digital, mas que têm sido estimulados pela internet. Não tenho nada contra a internet e o meio virtual de circular informação e de troca de ideias e experiências, mas deve-se exaltar os saraus, onde há a convergência disso tudo no mundo denso. São pessoas de carne e osso, que usam a voz e gesticulam, que se olham. E a troca salta das telas pro presencial, a palavra escrita agrega a dimensão e a emoção da oralidade, do som e se consubstancia em ainda mais humanidade.

         
                                                                                 

sábado, 3 de janeiro de 2015

Tri!

E eis que o blá blá blog completa 3 anos. Já sabe andar, falar e até questiona algumas coisas.


Foi gerado com amor, ainda que despretensiosamente. E tem sido escrito e produzido também com amor. Amor pelo ato de escrever, amor pela poesia e pelos modos de criá-la.

E tenho até me dado ao luxo, ao longo desses 3 anos, de exercitar um pouco de prosa, algo prazeroso também. Esse formato vem sendo mantido. Primeiro uma conversa com vocês e em seguida um poema meu que faça uma ponte com o tema escolhido.

O prazer de mantê-lo tem sempre sido renovado pelo retorno que recebo de quem o visita. Tenho até luxuosamente 124 seguidores! Escrever tendo vocês como leitores é uma alegria, acreditem.

Já são mais de trinta mil visualizações e quase duzentas postagens e confesso que em 3 de janeiro de 2012, dia do primeiro post, eu não poderia imaginar que 3 anos depois iria chegar aqui com esses números.

Felizmente é uma paixão de longo prazo e curso e que seguirá se transformando em posts e nessas pontes com vocês, meus leitores, enquanto esse prazer perdurar.

Não quero fazer disso um discurso maçante. Só posso acrescentar que escrever e postar no blá blá blog é uma alegria, um prazer, estimulante e inspirador e espero que pelo menos parte disso extravase pra vocês, meus leitores e amigos queridos e que vocês não me deixem a mim e ao blá no meio desse caminho
.

Um grande beijo em todos!