Importante

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quinta-feira, 28 de agosto de 2014

O eu lírico e eu...


Somos herdeiros da tradição romântica, marcadamente na Literatura e no Cinema, com seus heróis, vilões, romances, idealismos, maniqueísmos e finais felizes e amores eternos. Um dos subprodutos disso que perduram é confundir autor e obra. O Ernest Hemingway de O velho e o mar e Paris é uma festa, brigava, bêbado, nos bares. Álvares de Azevedo, que morreu ainda muito jovem, escreveu inúmeros poemas de amor, todos imaginados, nunca realmente vivenciados.

Não se pressupõe um solitário quase misógino, lendo os apaixonados poemas de Álvares de Azevedo.  Não se depreende um arruaceiro brigão ao fruirmos os romances de Hemingway.

Isso remete à questão do Eu lírico – Álvares de Azevedo é um perfeito exemplo disso – onde o autor não se coloca de forma real, não expressa seus sentimentos genuínos e assume o papel de um narrador, de um contador de histórias que relata sentimentos. Em função da nossa tradição romântica, a tendência é que o leitor funda o poeta e a pessoa numa só entidade e daí depreenda tons e intenções confessionais, quase documentos, de muitos poemas que, no entanto, expressam situações e sentimentos apenas imaginados, onde o autor está interessado e motivado a falar de sentimentos, a emitir conceitos, a narrar situações pelo menos não diretamente relacionadas com suas experiências pessoais, ou seja, onde predomina o eu lírico. O que não significa, é claro, que eu e todos os poetas não produzamos textos que traduzem nossas vivências reais.

Com frequência, diante da leitura de um poema de amor meu, ouço a já tradicional pergunta: “tá apaixonado?”,  “pra quem você fez esse poema?” E, não raro, encaram com ceticismo minha explicação: tô, por alguém que imaginei quando escrevi o poema...”. 

Os versos finais de um soneto meu ilustram isso:


“Cada alegria custa mil enganos
e vezes mil mentiras de poeta”





quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Eu Ele Nós Eles


Recentemente participei de uma conversa com assuntos bem pertinentes pra poetas, como eu lírico e eu real, rimas, métrica e versos livres, metáforas, prosa poética, poesia na primeira e na terceira pessoa e coisas que tais.

No que concerne a esse último tópico, escrita na primeira e na terceira pessoa, me posiciono com a tranquilidade de quem tem um ponto de vista crítico sem no entanto se excluir disso. Tenho não poucos textos escritos na primeira pessoa, mas penso que há que cuidar de não fazer disso o imensurável território da poesia autorreferente, poeta tão enamorado do seu próprio umbigo que o faz de referência narrativa.

Existe também uma discussão interessante, que contrapõe essas duas formas narrativas e há quem afirme que quanto mais o autor fala de si, de seu microcosmo particular, mais universal se torna. Visão controversa, é claro, mas ainda que seja legítima, nem por isso devemos enveredar pelo desenfreado “eu isso”, “eu aquilo”. A repetição disso tende a ser meio enfadonha. Embora, como já disse, eu tenha poemas narrados na primeira pessoa, simpatizo mais com os feitos na terceira pessoa. Penso que a poesia pode ser assim sem com isso ser impessoal. O eu real pode estar presente, só que de forma mais indireta e sutil. Em geral resulta em textos mais elegantes e menos arrastados.

Nem por isso vou abdicar de escrever na primeira pessoa. Tem temas, momentos, poemas que adquirem tom mais confessional quando escritos assim. Mas vou seguir cuidando de não cair na armadilha e na tentação de achar que tudo que é importante gira em torno de mim, do meu ego, da minha percepção e sentimento do mundo. Tem tanta gente, tanta coisa, tantas situações pra se discorrer, pro poeta criar só como se a vida e o mundo não fossem mais que uma imensa sala repleta de espelhos.






quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Clichê: fast food poético


Certos temas, para a poesia, acabaram se tornando “perigosos”. Por terem já sido muito abordados, no rumo do esgotamento e precisando de reinvenção. O amor talvez seja dentre todos o mais visitado, Quem não quer falar de e do amor? E o que ainda não foi dito sobre o amor? Tem?





Temos um dilema? O amor seria tema importante o suficiente para legitimar todo e qualquer “mais do mesmo”? Ou valorizar o tema passaria justo pelo oposto, ou seja, buscar modos originais de exercitá-lo, com releituras?

Mas o amor não é único tema recorrente na poesia. Tristeza, solidão, a Natureza, a vida, as estrelas, a lua, enfim, são assuntos muito frequentados pelos poetas e na esteira dessa assiduidade vem a confusão entre o simples e o banal, o despojado e o previsível, o singelo e o clichê.

Mestre Manoel de Barros é um luminar exemplo de uma poética da simplicidade aliada a imagens inesperadas e nada banais e que resultam encantadoras.

A palavra clichê (já até virou um clichê usar e abusar dela) vem do jargão das gráficas e jornais e é um molde com tipos, letras. Seu uso repetitivo levou a essa expressão, que significa lugar comum. 

Então a tentação de recorrer ao lugar comum, ao clichê, na poesia está sempre latente, É como se seu emprego colocasse o poeta numa situação de conforto, que não detivesse o fluxo livre da sua emoção com elaborações racionais em busca da imagem e ideia não pronta.

Uma metáfora inesperada, uma palavra pouco usual, outra deslocada do seu sentido habitual, são alguns recursos que podem ser utilizados para se fugir dos clichês, da mesmice do já visto e já dito. Preparar o prato no fogão, sem apelar pra comida comprada congelada. Fugir do pouco nutritivo e pouco saboroso clichê, o fast food poético, comprado pronto.



Faces 

Viver
Trânsito e transe
Âmbito e vácuo
Prazer e dor
Fagulha e breu

Dizer
Ventos e espelhos
Fontes e flechas
Cernes tangências
Medos coragens

De ser
Âncora e bolha
Cúmulo e grota
Lampejo e túnel
Pausa e tropel



quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Pra que por que?

A poesia segue que trajetos? Quais são seus cânones, seus limites e fronteiras?
Ela é, como alguns (ou muitos) pensam, o limbo da criação artística ou mesmo apenas na Literatura? A prima pobre? O reduto da pieguice e do banal literário? Não é preconceito excluir o singular, o profundo e o brilhante desse “ramo” da Literatura?

E os poetas? Uns bobos alegres que se deslumbram até com folhas secas caindo de uma árvore? Uns alienados que só veem tudo bonito e esperançoso? Poetas não são ou podem ser também pessimistas e amargos ao menos eventualmente?

Poesia é âmbito e território exclusivo do lírico? Do belo? Ou tbm do rascante, sombrio e frio?

Poesia serve a propósitos? Mudou ou mudará o mundo?

O inesquecível e sagaz Paulo Leminski gravou um vídeo, encontrável no Youtube, dizendo basicamente que a poesia é um inutensílio. Ou seja, que não deveríamos atribuir a ela o solene papel de nos ensinar lições ou nos redimir. Deixemos que o bravo “Lema” nos enriqueça com sua verve inquieta: http://www.youtube.com/watch?v=T-iCzSsOZy4

Vladimir Maiakovski e Federico Garcia Lorca fizeram poesia engajada, política, libelos contra a opressão. A publicidade toma emprestado da Poesia a linguagem poética com fins comerciais e de propaganda institucional. Faz-se poesia pra desabafar, pra celebrar, pra cortejar, pra exaltar, pra mil alvos, mas também – e ainda bem – pra nenhum propósito que pelo menos seja pra descrever, discorrer, refletir, especular, sobre as coisas, a vida, a beleza, o sofrimento, a Natureza, os mistérios, enfim, sobre tudo, só que com o viés singular da palavra sucinta, da frase enxuta chamada verso, com sua sonoridade e ritmo tão próprios, ou seja, poesia pela poesia, sem que ela precise carregar o fardo do utilitarismo. Poesia pela poesia, que provoca narizes torcidos dos que teimam em querer lhe atribuir funções e nobres lemas, o que nunca foi o caso do nosso querido Leminski, "Lema” pros “íntimos”.

Mas, voltando ao início desse texto:  “A poesia segue que trajetos? Quais são seus cânones, seus limites e fronteiras?”
Como classificar escritas singularíssimas como a de um Guimarães Rosa? Que parâmetros temos? E quais são certeiros? A prosa (que já é um rótulo) de Clarice Lispector é repleta de poesia, não porque visualizemos versos, ritmos ou rimas em seus textos, mas pelo modo como ela manuseia palavras e expressões, sua escrita exala poesia. Por outro lado temos poesia com laivos prosescos em inúmeros autores contemporâneos.

Paradigmas estão sendo constantemente quebrados e criados, portanto talvez possamos dizer que o poético perpassa a Literatura, num microcosmo desse trespassar do poético na própria vida.