A poesia é um conceito, uma vertente e tem formas e regras,
que são seguidas, recriadas, transformadas, rompe-se com elas, transgride-se. O
que exorbita disso, e num viés que não agrega valor, são as receitas. Poesia e
culinária são alquimias, mas uma sacia o estômago e as papilas gustativas,
enquanto a outra satisfaz a alma e os ouvidos.
Seguir receitas em poesia é flertar com o pastiche, o
previsível, a imitação. É permitir que o anêmico e espúrio que traz a convenção
predomine sobre a criação e suas possibilidades de inovação, ineditismo e
liberdade.
O haicai, forma minimalista de poesia nascida no Japão,
ganhou o mundo no século XX, globalizou-se. Ainda é feito na terra do sol
nascente pelos seguidores de sua secular tradição. No restante do mundo, ganhou
nuances de cada cultura, clima, geografia, idioma. Poeta ocidental que faz
haikai como quem segue receita de sushiman, sem querer vira impostor. Não nascemos
no Japão, não falamos japonês e nossa contribuição criativa a essa forma tão
peculiar e concisa de poesia é fazer haikai ao nosso modo, seguindo, é claro,
determinadas regras que caracterizam a forma.
Sushi pode ser feito aqui, igual. Mas poesia são outros
quinhentos hashis e nirás e em vez de imitada, melhor que seja recriada. Regras são importantes e são suportes da criação. Mas regra
não é receita. E um prato bom, culinário ou poético, acontece quando a gente acrescenta nosso toque pessoal.