Importante

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terça-feira, 31 de janeiro de 2012

O triunfo do improvável


O que mais me agradou no filme O palhaço, não foram as boas performances de Paulo José e Selton Mello ou o bom roteiro e sim a recriação dos circos simples, tradicionais, sem toda a tecnologia e luxo de um Cirque de Soleil, que povoam nosso imaginário. E o filme os evoca com ternura e reverência. Tive empatia com ele por isso, por compartilhar desses sentimentos que vêm da infância e permanecem vivos.

O circo e suas figuras arquetípicas me encanta por uma razão preponderante: ele é uma criação, uma espécie de microcosmo do que a vida deveria ser. Talvez por isso ele seja tão poético. Temos o riso, o drama, os desafios, os extremos. Temos o triunfo do improvável nos pratos parando de rodar sobre as varetas e por um triz não se espatifando, o espanto no contorcionista que cabe numa pequena caixa onde ninguém mais cabe, o fascínio no mágico que nos faz acreditar que ele faz sua partner levitar, o heroísmo no destemido domador que flerta com o perigo entre feras ameaçadoras e nos entreatos, a transgressão no palhaço ridículo que nos faz gargalhar e relaxar de todas essas tensões.

A vida é bela, mas também tem suas facetas duras e hostis e o circo nos traz essas pequenas maravilhas lenientes, de sonho, que adocicam um pouco amargores e amarguras. Seja o chique e caro de Soleil ou o mambembe da lona remendada itinerando pelas pequenas e pobres cidades, o circo não pode e não vai morrer jamais.

Por um fio


E lá vou eu voando solto rente a lona
Se sou um quase pássaro pra que a rede?
Um peixe dentro d’água nunca sente sede                            
É só pra ver o céu que ele vem à tona

Cabeça mergulhada em boca de leão
A Morte e eu num duro jogo de xadrez
Num xeque-mate mostro a minha intrepidez
E eis que outra vez delira a multidão

Retiro colossais coelhos da cartola
Serrei ao meio a moça e esqueci a cola
E todos estremecem tendo um calafrio

Mas pinto a cara, faço troça ensandecida
Arranco risos, levo tombo e sei que a vida
é sonho, é circo, é susto, é o pulso por um fio


domingo, 29 de janeiro de 2012

Dois




Nasci num dia dois. De outubro. Dupla dualidade. No algarismo em si e nos dois pratos da balança. Minha mãe e meus dois filhos também são de um dia dois. Na numerologia o dois representa a dualidade, um e outro, o duplo, o par, a alteridade. Até o eu diante do espelho com seus reconhecimentos e estranhamentos.

Dualidade é da natureza humana. É um conceito não maniqueísta com o qual simpatizo. Os tais dois lados da mesma moeda. O absoluto e o relativo em dinâmica alternância. O yin e o yang. Jung e o I Ching. Mao Tse Tung e Deng Shiao Ping. O pingue e o pongue. O queijo e a goiabada. A casa e a rua. O sol e a lua. O meu e a tua. Você e eu. A vida...e a vida.


Frente a frente

Te procuro aturdido
nos recônditos escuros
da memória. Te procuro
nos Achados e Perdidos

Busco em todos os lugares
labirintos e atalhos
transformados em retalhos
Desde terras até mares

E de tanto procurar
tenho os olhos mais vermelhos
que os corais do teu colar

Te procuro e encontro enfim
frente a frente com o espelho
refletida inteira em mim


quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Fecundação

Quantas tantas vezes me deparei com uma página em branco, diáfana, pura e, como uma gueixa, pedindo em silêncio para ser tocada. Ou, por outra, intimidatória, desafiadora. Mesmo no editor de textos de um computador temos uma tela-página em branco.

Esta cena, aposto, foi e segue sendo familiar a muitos e muitos escritores.

Mas sou reverente. Na imensa maioria das vezes ela, a página, funcionou ora como espelho, ora como bola de cristal, até como mantra branco e surdo para atrair os deuses da imaginação e as musas da inspiração.

Portanto quis fazer essa pequena ode à página que nos recebe, poeta, caneta, ideias, palavras, versos, poemas, contos, crônicas, romance, até mesmo singelas cartas de amor e pacientemente se deixa possuir e emprenhar de signos, metáforas, emoções, imagens e gestá-los até seu nascimento.

Um breve “making of”: escolhi fazer o soneto apenas com palavras proparoxítonas (esta também uma proparoxítona), que eu acho fortes e sonoras e nos casos de verbos acompanhados de ênclises com pronomes (cravo-te, incitas-me, etc), me permiti usá-las, embora não sejam verdadeiramente proparoxítonas, mas porque considerei a sonoridade “proparoxítona” das mesmas.


Útero


Cúmplice, vívida página
Tácita, íntima, prática
Vítima, cínica tática
Pálida, anímica, mágica



Trêmula, tímida, próxima
Ínfima lâmina, dádiva
Física, lírica fábrica
Quântica, rústica, sólida



Lúcida lâmpada anárquica
Sôfrego, cravo-te símbolos
Risco-te, tornas-te gráfica



Rútila pétala, vínculo
Cálida, incitas-me ávida
Página, faço-te grávida



segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Tur-bilhões



Turbilhão

Por labirintos circulares

meu pensamento em ricochete
é um minúsculo foguete
que pousa em mundos singulares

A navegar por densos mares
ou sobre mágicos tapetes
erijo belos palacetes
ou mando tudo pelos ares

Num claro-escuro permanente
urgentes, lúcidas, dementes
voam sinapses inquietas

Brota incessante, compulsiva
cada pequena ideia viva
Fogo onde ardem os poetas

                                                                                                                        

domingo, 22 de janeiro de 2012

Avatares de Gaia



Somos novos pagãos adoradores da Natureza.

Filhos da Mãe Terra em busca de redenção.

Ciência, Arte e Filosofia despertando para uma sinergia.

Mentes que sentem e corações que pensam.


quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Eros e Psiquê


Carlos Drummond de Andrade felizmente foi reconhecido em vida. E seguiu sendo após sua morte. Isso num tempo em que a midia não exagerava no culto à personalidade que cria celebridades instantâneas é notável. E absolutamente merecido.

Mas um senão nesse panorama me desgosta. Drummond escreveu poemas eróticos. Legítimo direito dele como artista. Mesmo que fossem ruins – e não são – teriam que contar com a nossa complacência. No mínimo. Pelo menos pra mim, Drummond pode tudo. Ele escreveu bonito, tocou, comoveu. Com esses seus poemas eróticos não foi diferente.

Só que ele, talvez devido à sua conhecida timidez, não os quis publicar. Não sei se temeu ter sua imagem arranhada. Prefiro acreditar que foi apenas recato seu. O que aliás combinava com sua alma delicada. Mas delicadeza e sensibilidade de forma alguma são incongruentes com o sexo e com o erotismo. Não sei se foi pensando assim que seus editores decidiram publicar esses versos post mortem, reunindo 40 poemas sob o título O amor natural . Uma espécie de desobediência por uma boa causa: a de não nos privar de uma parte, pequena que seja, da sua arte de primeira grandeza.

Mas e onde está o desgosto a que me referi? Claro que não pelos poemas. Diz respeito a alguns rotularem esses poemas de pornográficos. Vejo um desdém moralista nesse rótulo. Inevitável a comparação absurdamente injusta, o nivelamento por baixo, ao lixo pornográfico e de finalidades meramente comerciais que entulha a internet, as locadoras de vídeo, etc.

Enfim, o erotismo que o próprio Drummond teve o pudor de não tornar público, pode não cair muito bem mesmo para certos admiradores mais empedernidos e conservadores da sua obra. Mas eles sempre serão legítimos Drummond e não uma sofrível manifestação de mau gosto desprovido de afeto.

Vejam por exemplo os versos deste soneto, incluído no livro:

A castidade com que abria as coxas


A castidade com que abria as coxas
e reluzia a sua flora brava.
Na mansuetude das ovelhas mochas,
e tão estreita, como se alargava.


Ah, coito, coito, morte de tão vida,
sepultura na grama, sem dizeres.
Em minha ardente substância esvaída,
eu não era ninguém e era mil seres


em mim ressuscitados. Era Adão,
primeiro gesto nu ante a primeira
negritude de corpo feminino.


Roupa e tempo jaziam pelo chão.
E nem restava mais o mundo, à beira
dessa moita orvalhada, nem destino.



Carlos Drummond de Andrade em O amor natural -1992




terça-feira, 17 de janeiro de 2012

O lado frágil e belo da Força



Forte e frágil: assim é a vida. Ela está presente numa estrela supernova de explosão espetacular no Espaço infinito, como se fossem fogos de artifício pra deleitar a Deus e também num esquilo que, aos pequenos saltos, carrega floresta adentro uma noz, seu futuro almoço.

A vida é tão generosa e democrática, que permite ao homem almejar desde ouro e poder, até a elevação espiritual.

A vida e viver nos maravilha, fascina, amedronta, entusiasma, nos leva a sonhar, nos faz cantar e dançar, nos emudece e torna pensativos, nos comove, nos inspira gestos de grandeza, coros de protesto, orgasmos ruidosos, preces sussurradas, nos faz rir e chorar, ter saudades até do que não vivemos.

Vida e viver é tão poderoso que vale até fantasiar, imaginar vidas paralelas, ver O.V.N.I.s e se curar de doenças imaginárias.

E também viver coisas bem reais e palpáveis, únicas, memoráveis.


Colombina

A vida é um deus enfraquecido no tendão
Um calcanhar que mesmo Aquiles não previu
Fragilidade de um gigante tão viril
Do indivíduo em coletiva solidão

A anatomia emocional é mais mutante
Em nós mortais o calcanhar é lá no peito
Que se esvazia tão deserto quanto o leito
Na eterna espera em vão do fugidio amante

A vida é a luz de um monitor que sobe e desce
A pulsação da estrela anã lá dos confins
Poeira cósmica que elétrons resplandece

Musa veloz de pierrôs e arlequins
É colombina essa vida que enlouquece
E ao mesmo faz chorar e rir sem fim
                                                                       

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Limiares


Abismos povoam nosso imaginário. E vez por outra, ao menos simbolicamente, se interpõem no nosso caminho. Dizer que são necessários seria meio cabotino. Mas uma vez que se apresentem, além de evitar a fatídica queda é boa oportunidade pra exercitar nossa capacidade de lidar com o adverso, o desprazeroso, o inoportuno.

Encrencas, revezes, afrontas, acabam também servindo pra polirmos nossa adaptabilidade e a consciência de aprendermos com nossos erros, de tirarmos proveito das más experiências. Como temos o dom do discernimento, não deixemos que apenas nosso lado animal corra o risco de sucumbir às circunstâncias meramente darwinianas da vida, onde only the strong survives. O discernimento nos faz capazes de observar, refletir e aprender com a Natureza, com seus bambus maleáveis que vergam sob a ventania e justo por isso não quebram.

Cadafalso fim
leva a um recomeço
mesmo que o tropeço
me devolva a mim

Cada labirinto
mesmo que atordoe
faz com que esboroe
meu melhor instinto

Cada precipício
ceifador de vidas
faz minha subida
luz do reinício

Cada rota incerta
faz de um meu naufrágio
minha forte-frágil
alma mais desperta

                                         

sábado, 14 de janeiro de 2012

Sem rasas razões

"Haikagem" - Haikai ilustrado por Ana Eliza Frazão. Técnica mista de litogravura e desenho em nanquim.
Visitem seu blog: http://anafrazaoarte.blogspot.com/ É bonito e interessante.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Divagações líquidas


Diz a lenda que Camões escreveu seu extenso Os Lusíadas, embarcado, ou seja, na ainda maior vastidão do oceano, naquela sucessão de tormentas e calmarias.

Muitos foram os poemas, contos, romances tendo como cenário o mar, alguns até mesmo com o mar como protagonista. Eu mesmo não fugi dessa tradição e escrevi uns tantos textos tendo o mar como inspiração e cenário.

Turner, o pintor, se cansou de retratar o mar em seus quadros, as chamadas marinhas. Muito se fala nos “road movies” americanos, os filmes de estrada, que deram origem a um estilo. Mas até onde eu sei, nunca ninguém cunhou a expressão “sea movies”, filmes de mar, apesar de tantos filmes de piratas e documentários do Jacques Cousteau e da National Geographic sobre o assunto.

O fato é que o mar fascina muitos. Fascínio feito de encantamento e medo. A vida marinha e a profundidade dos mares assusta e excita a imaginação. Sereias, monstros, baleias engolidoras de Jonas e submarinos de vinte mil léguas.

O mar é restaurante. Não me refiro à abundância de seus frutos que nos alimenta e delicia. Falo do quanto um mergulho em suas águas é capaz de nos restaurar. Do quanto nos sentimos renovados assim que voltamos à terra firme.

Mas isso na verdade se deve à água. Em todas as suas formas ela se faz presente e se nos oferece como um presente. A maior parte de nós se constitui dela. E ela chove, ela cai em cascatas que nos maravilham, nos sacia a sede e simbolicamente nos ensina a maleabilidade e capacidade de adaptação, nos córregos que descem as encostas em meandros que contornam obstáculos rumo ao seu idílio com o mar.

Até nosso lar, paradoxalmente chamado Terra, é feito principalmente de água.


Saga 

Meu mundo pequeno
de ínfimos ritos
O vento na fronte
O turvo horizonte
Abafo meus gritos
Me finjo sereno
E o barco meneia
na vaga bravia
Furor de sereia
Aquática orgia

A face encharcada
de água salgada
(seria de pranto?)
não lava o espanto
Netuno que dança
no sal da vingança
A faca no vento
Tormenta ou tormento?

Do caos à deriva
ao cais que se aviva
se estende a agonia
Pedir calmaria
ao deus não aplaca
O vento na faca
o sangue evapora
O sangue da aurora
O céu mais vermelho
O mar é o espelho
do deus que se aparta
Atenas, Esparta
no embate aqui dentro
O espelho no centro
da híbrida arena

Um quase argonauta
A pena que falta?
Dureza do solo
Dionísio e Apolo
disputam-me a alma
Já tem calmaria
mas foi-se-me a calma

A terra me afaga
mas vive a lembrança
de deuses e danças
na ínfima saga  
                                                                 

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Razões(!) pra ser poeta

Com a palavra, o mestre: 

Cinco razões pelas quais vale a pena ser poeta:
"Penso que não tive escolha
 Fui escolhido e gostei da escolha 
Faço o que sonho 
Faço o que gosto 
Sou um pouco irresponsável 
com os passarinhos, isto seja: 
Sou livre 
Amo a palavra"
 
 "Em poesia que é voz de poeta, 
que é a voz 
de fazer nascimentos - 
O verbo tem que pegar delírio “ .


                                         Manoel de Barros


No próximo post, mais sobre esse nosso gênio





terça-feira, 10 de janeiro de 2012

As boas ínfimas coisas


Fome de viver...título de um filme de vampiros da década de 80 com Catherine Deneuve e David Bowie e dirigido por Tony Scott, irmão do Ridley, o que dirigiu Blade Runner. Mas a fome de viver da vida real remete a valorizar a vida, a fruir cada instante dela como se fosse o último, a de viver cada dia como se ele fosse único – e de fato o é – e especial.

Acabamos nos distanciando disso e o trabalho, as preocupações, os compromissos, os adiamentos, os planos engavetados, as desculpas pra nós mesmos de que não temos tempo, vão de certa forma nos enchendo e pesando a mala que carregamos no nosso caminho da vida e vamos vestindo roupas sobre roupas e máscaras sobre máscaras, nos perdendo de quem essencialmente somos.

Há que sobretudo desnudar a alma, antes mesmo do corpo. Há que viver, pagar pra ver, tentar, se arriscar, mesmo que o medo esteja presente. Ter coragem não é não ter medo. É ter medo, mas saltar. Estamos vivos. Vivamos então. Nunca é tarde demais.


Arisca

Ela se expande
e se retrai
Pequena, grande
de eu querer mais

Nunca a prevejo
Tão inquieta
que num lampejo
é curva a reta

Em culminâncias
e desmesuras
pleno de ânsias
cubro-a de juras

Mas me escorrega
por entre os dedos
Revela e nega
cada segredo

Tanta surpresa
que me fascina
Quanta beleza
velha e menina

Contraditória
Doida, atrevida
Trevas, luz, glória
Esta é a vida!
                                                                                                                       
                              

domingo, 8 de janeiro de 2012

Sic transit gloria mundi

De alívios agudos e culpas crônicas

No vale-tudo entre dois morros de medo transita o atlântico pacífico cidadão civilizauto, corretor de textos e imóveis, quase imóvel num congestionamento nasal e de trânsito espremido entre um Golf do México de velho ricaço blindado e um New Beetle, nenhum cover dos Fab Four, antes um Fuscão vacinado e metido a besta e cor de burro quando foge da realidade que, bem, voltando a ela, à dura e fria, ao picolé de vaca, enfim, ao fim e ao cabo-de-guerra, o nosso correto corretor de imóveis ou da Bolsa & a Vida, nem sei, aflito seguia REX, que era o prefixo da placa do Golf da frente, tola mania entediada sua de reparar em placas de carro que ao acaso (nada é por acaso, diria a chatinha da sua enteada toda penteada e também entediada que exo ou esotérica) e sem querer (que a intenção está em quem , diria outro chato, não por acaso ele mesmo) significam algo como ARM é braço, LAY é deitar, o que o faz lembrar de uma canção do Dylan que em garoto o levava a pensar em lubricidades maravilhosas e lubrificantes; LEI, que é lei mesmo (seria a placa de um policial português da Interpol disfarçado?), DOM, que poderia ser o carro, por acaso sincrônico, de uma grande vidente e por afora.

Aflito estava então, antes e depois desse lapso-lázuli de zen escapismo, assaltado pela tênue angústia clara e proustiana e quem mais chegar, da Joyce ao James Joyce e assaltado pelo Sem Grana pra um Dolce & Gabana, nem mesmo pruma bagana e Sem Teto pra conseguir autorização da torre decolar e descolar qualquer ínfimo alpinismo social club com buena vista em Cuba ou nem que fosse em Cubatão.

E se foi o Tissot de precisão suíça. Bem, antes isso do que virar queijo suíço, virar chouriço, levar sumiço e males que vêm pra bem, todo homem de bem e positivista por (loja de) conveniência e (preço de) ocasião (olha o corretor) sempre acaba sacando essa do colete à prova de balas não diet pra seu vibrante consolo. Afinal o melianti-social, o lúmpen eritematoso que nem o matou, acabara de aliviá-lo de uma das angústias pela ex-paz módica paga de um mero,transitório bem material: desprovido do tirânico artefato que assinala o inexorável tempo que nos esmaga , foi-se, pelo menos por um tempo, mas um tempo sem aquela precisão maníaco-depressiva-obssessiva da perda de tempo esvaído no trânsito, nos trâmites bureaucráticos, nas transmissões de eventos desnecessários, nas trepadas apressadas, desleixadas ou sem entrega, nos truques contra si mesmo, nas trilhas que de antemão ele sabia que iriam levá-lo de volta à estaca zero.

Dessa pausa refrescante e quase breve como um Kolynos ele teve consciência, até a aquisição de nova, bela, quem sabe ainda mais precisa e moderna máquina infernal e infalível no lembrá-lo todo o tempo da sua incapacidade ou falta de coragem de viver mais pleno e livre. não sabia aindaquestão de pouco tempoda permanência impermeável water resistent, da outra angústia: a de que um simples relógio caro subtraído é muito pouco pra aplacar sua culpa.

E por falar em aplacar, eis que o Golf da placa REX vira numa transversal aldirblanquiana do tempo e à sua frente agora ronrona um Jaguar verde musgo que não fugiu de nenhuma mata. A placa: END.

Do que?